domingo, 10 de julho de 2011

Pode Lei Ordinária criar dispositivo definindo interpretação de norma constitucional?

Não pode uma lei ordinária definir qual será a interpretação da norma da Constituição Federal, pois, desse modo, estaria invadindo competência do STF: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição (ou seja, quem interpreta é o STF, a ele cabe a última palavra).
Esse tema já foi objeto de controle de constitucionalidade. Em 2002, o Presidente (FHC) queria, após o término de seu mandato, continuar usufruindo de sua prerrogativa de foro (102, b, CF). Nesse intuito, foi editada a Lei 10.628/02, que modificava o CPP para estabelecer o seguinte:
Art. 1o O art. 84 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:



"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.
§ 1o A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. (Vide ADIN nº 2.797-2)
§ 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o." (Vide ADIN nº 2.797-2)

Como fica claro, o §1º e § 2º estão, na verdade, retirando do STF a competência de interpretar a constituição a fim de dizer que a competência especial por prerrogativa de função deveria prevalecer mesmo findo o exercício. Por isso, os dispositivos foram declarados inconstitucionais. Aos futuros aprovados no concurso, indico a leitura da mencionada ADI para melhor compreensão:

 EMENTA: I. ADIn: legitimidade ativa: “entidade de classe de âmbito nacional” (art. 103, IX, CF): Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP             1. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12.08.04, Pertence, Inf STF 356, o plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau - as chamadas “associações de associações” - do rol dos legitimados à ação direta.             2. De qualquer sorte, no novo estatuto da CONAMP - agora Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - a qualidade de “associados efetivos” ficou adstrita às pessoas físicas integrantes da categoria, - o que basta a satisfazer a jurisprudência restritiva-, ainda que o estatuto reserve às associações afiliadas papel relevante na gestão da entidade nacional.             II. ADIn: pertinência temática.             Presença da relação de pertinência temática entre a finalidade institucional das duas entidades requerentes e os dispositivos legais impugnados: as normas legais questionadas se refletem na distribuição vertical de competência funcional entre os órgãos do Poder Judiciário - e, em conseqüência, entre os do Ministério Público .             III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante. Súmula 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal: pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição: inconstitucionalidade declarada.              1. O novo § 1º do art. 84 CPrPen constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula 394 por decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq 687-QO, 25.8.97, rel. o em. Ministro Sydney Sanches (RTJ 179/912), cujos fundamentos a lei nova contraria inequivocamente.              2. Tanto a Súmula 394, como a decisão do Supremo Tribunal, que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal.              3. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior.              4. Quando, ao vício de inconstitucionalidade formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal - guarda da Constituição -, às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete final da Lei Fundamental: admitir pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que a Constituição - como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia -, só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames.              5. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 C.Pr.Penal, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento, da regra final do § 2º do mesmo artigo, que manda estender a regra à ação de improbidade administrativa.              IV. Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade.              1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação.              2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual.              3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar.              4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional.              5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies.             6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal -salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III -, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária.              V. Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade.              1. O eventual acolhimento da tese de que a competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do C.Pr.Penal.              2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo - cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos - a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de responsabilidade.              3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado. 


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