terça-feira, 1 de julho de 2014

Qual a natureza jurídica da interceptação de sinal de TV a Cabo?

Texto retirado de: http://blog.ebeji.com.br/interceptacao-de-sinal-de-tv-a-cabo-qual-a-natureza-juridica/

Escrito por: Dr. Pedro Coelho, Defensor Público Federal

Questão tormentosa que assusta os estudiosos do direito penal se refere a como classificar a conduta praticada por cidadão que intercepta sinal de TV a cabo. Sabe-se que tal situação é bastante corriqueira no “mundo real”, mas como se dá a interpretação dos Tribunais Superiores em relação à referida conduta?
A situação merece ainda maior destaque, pois (até hoje) não há consenso jurisprudencial, já que o Supremo Tribunal Federal tem posicionamento divergente do Superior Tribunal de Justiça! Em se tratando de divergência entre as instâncias extraordinárias (STF x STJ) é certeza de que esse conhecimento será cobrado em provas de concurso público! Sendo assim, vamos compreender sistematicamente a matéria.
Há algum tempo, o STF consolidou-se no sentido de que aquele que intercepta sinal de TV a cabo clandestinamente não pode ser punido na forma do art. 155, parágrafo 3º do CPB, já que não se pode admitir a interpretação elástica de caracterizar o sinal de TV como energia. Vejamos:
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. 
EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE RECURSAL DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.INTERCEPTAÇÃO OU RECEPTAÇÃO N Ã O AUTORIZADA DE SINAL DE TV A CABO. FURTO DE ENERGIA (ART. 155, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ADEQUAÇÃO TÍPICA NÃO EVIDENCIADA. CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ART. 35 DA LEI 8.977/95. INEXISTÊNCIA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA IN MALAM PARTEM PARA COMPLEMENTAR A NORMA. INADMISSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA A O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ESTRITA LEGALIDADE PENAL. PRECEDENTES. O assistente de acusação tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória nos casos em que o Ministério Público não interpõe recurso. Decorrência do enunciado da Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal. O sinal de TV a cabo não é energia, e assim, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal. Daí a impossibilidade de se equiparar o desvio de sinal de TV a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais, na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem), sob pena de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade. Precedentes. Ordem concedida. (HC 97261, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe-081 DIVULG 02-05-2011 PUBLIC 03-05-2011 EMENT VOL-02513-01 PP-00029 RTJ VOL-00219- PP-00423 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 409-415).
Ao indicar, corretamente, que a conduta mencionada não se adéqua tipicamente ao delito desenhado no art. 155, par. 3º do CPB, o STF advoga que na legislação específica há dispositivo tratando diretamente do caso descrito, qual seja o art. 35 da Lei 8.977/95:
Art. 35. Constitui ilícito penal a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV a Cabo.
Não obstante haver uma conduta típica desenhada pelo legislador, não houve imputação abstrata de sanção penal e por não haver pena cominada ao tipo legal a conduta é atípica! Trata-se, pois, nos dizeres de Luiz Flávio Gomes de um exemplar da chamadanorma penal em branco inversa, ou seja, aquela em que o complemento normativo diz respeito à sanção, não ao conteúdo da proibição! No caso ora analisado, inexistindo tal norma, não se admite a aplicação da analogia in malam partem para fins punitivos.
Todavia, é preciso cuidado! Como indicado supra, a posição consagrada pelo STF não vem sendo seguida pelo Tribunal da Cidadania (STJ), consoante se conclui do julgado abaixo colacionado, do ano de 2013:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CAPTAÇÃO IRREGULAR DE SINAL DE TELEVISÃO A CABO. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. EQUIPARAÇÃO À ENERGIA ELÉTRICA. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Não há na impetração a cópia da denúncia ofertada contra os recorrentes, documentação indispensável para análise da alegada atipicidade da conduta que lhes foi atribuída.
2. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.
3. Assim não fosse, tomando-se por base apenas os fatos relatados na inicial do mandamus impetrado na origem e no aresto objurgado, não se constata qualquer ilegalidade passível de ser remediada por este Sodalício, pois o sinal de TV a cabo pode ser equiparado à energia elétrica para fins de incidência do artigo 155, § 3º, do Código Penal. Doutrina. Precedentes. 4. Recurso improvido. (RHC 30847/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 04/09/2013).
Esquematizando, como caracterizar a conduta de interceptação clandestina de sinal de TV a cabo?
Supremo Tribunal FederalAtípica, inadmitindo a analogia in malam partem (HC97261). Entre outras, podem-se indicar as lições de Cezar Roberto Bitencourt.

Superior Tribunal de JustiçaCaracteriza-se como furto simples, a partir da interpretação do art. 155, parágrafo 3º do CPB (RHC 30847/RJ).Entre outras, podem-se indicar as lições de Guilherme de Souza Nucci.

Fiquem ligados!
Avante nos estudos!
Pedro Coelho.
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Embora esteja excelente o texto, é importante a ressalva trazida pelo colega leitor: 

Creio que a questão não é bem assim. No STJ não é pacífica a compreensão que equipara o sinal de TV a cabo a energia elétrica para o fim de tipificar a conduta na forma do art. 155, § 3º, do CPB, conforme indica o RHC 30847/RJ. Basta ver o resultado do julgamento do AgRg no REsp 1185601/RS, 6ª Turma, julgado em 05/09/2013 e publicado no DJ de 23/09/2013, em que o Ministro Relator Sebastião Reis Júnior ampara-se na decisão do STF da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa para concluir no voto condutor do acórdão acolhido por unanimidade no sentido da atipicidade da conduta.
Eis a ementa:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL. CAPTAÇÃO CLANDESTINA DE SINAL DE TELEVISÃO FECHADO OU A CABO. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. PRECEDENTE DO STF. SÚMULA 7/STJ.
1. Para a doutrina clássica a tipicidade, a antijuridicidade (ilicitude) e a culpabilidade são os três elementos que convertem uma ação em delito. Caso inexistente um dos elementos, ausente a conduta ilícita.
2. A captação clandestina de sinal de televisão fechada ou a cabo não configura o crime previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal.
3. O revolvimento fático-probatório disposto nos autos, na via especial, atrai o óbice da Súmula 7/STJ.
4. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
5. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1185601/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 23/09/2013)



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